Considerações sobre a própria produção musical [1 de 5] – Capixaba I: Dia

 


Enquanto realizo as revisões finais das resenhas referentes aos meus discos preferidos da música brasileira, aproveito para refletir sobre alguns projetos musicais dos quais fiz parte.

Em 2010, realizar uma gravação profissional, como violonista, e distribuí-la fisicamente, parecia ser um sonho distante. Nesse mesmo ano, conheci Marcelo Rauta, que me convidou para gravar peças solo e em duo para o seu CD autoral Rerigtiba, de 2011; nossa convivência e amizade rendeu uma série de parcerias musicais, especialmente na composição e revisão de novas peças. Em 2013, gravei uma composição minha na primeira edição do Novas, coordenado pela violonista Elodie Bouny.

Já no início de 2014, fui contemplado em um edital da Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES), para prensagem em CD de álbuns já existentes – o que só se concretizaria no final do ano. No meu caso, consistiria em uma coletânea de gravações que eu havia feito, fossem profissionais, demonstrativas ou caseiras. Por conta de uma série de recitais que eu tocaria ao longo do ano – e na ânsia de ter em mãos um produto físico para venda – elaborei, de forma independente, meu primeiro EP, com oito faixas que comporiam futuramente a coletânea da FAMES. Essa foi a história de Renan Simões EP e Renan Simões Interpreta Compositores do Espírito Santo, ambos de 2014.

No meio de 2014, fui surpreendido com a notícia de que a proposta de álbum Capixaba havia sido aprovada por um edital da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (SECULT-ES). Após a aprovação, conversei com Roger Rocha, responsável por todo o processo de captação, edição, mixagem e masterização sobre a possibilidade de expandirmos o repertório, o que ele aceitou prontamente. Além da proposta enviada, eu regravaria outras músicas da coletânea da FAMES e incluiria algumas novas: seria um álbum duplo. Prometi que estaria o mais preparado possível para não alongar muito o tempo de estúdio. Sabrina Souza, minha esposa, além de tocar comigo os duos de violão, gravou uma peça solo e foi responsável por todas as 22 pinturas presentes na capa, contracapa, bandeja, mídias e encarte. A equipe contou também com Marcos Bentes na produção executiva, Daniela Ramos na assessoria de comunicação e Sérgio Rodrigo na arte gráfica.

Ao todo, foram gravadas 18 obras de 6 compositores nascidos ou radicados no Espírito Santo. Sabrina fez uma pintura para cada obra, que também representam locais do Espírito Santo. Capixaba, lançado em 2015, foi enfim minha consolidação enquanto violonista desta terra. Nesse projeto, busquei criar um produto artístico que transcendesse o ato de “apenas gravar as peças”, e que tivesse um significado artístico mais amplo, ou seja, algo que funcionasse faixa a faixa como registro fonográfico, e que atingisse públicos para além do violão de concerto ou da música de concerto. Felizmente o retorno recebido foi extremamente recompensador, uma verdadeira realização pessoal e profissional.

O registro é dividido em duas partes: Dia e Noite. Na primeira, há obras mais tonais, convencionais e alegres. Na segunda, obras mais introspectivas, modernas e melancólicas.

Dia inaugura com Dois momentos bem distintos, uma composição minha em homenagem à minha mãe Dulce, que aprecia tanto momentos melódicos calmos, quanto os gestos contemporâneos impactantes. Algumas melodias e fragmentos melódicos específicos aparecem nesses dois contextos extremos. Dois momentos foi selecionada e registrada na primeira edição do projeto Novas:

Dois Momentos Bem Distintos

Displicentemente é um arranjo que fiz para violão de uma composição de Marcos Bentes, produtor executivo do álbum, e foi estreada na Mostra do Compositor Erudito Capixaba 2010. Busquei valorizar a pujança rítmico-melódica do tema original, apresentando nuances harmônicas em suas repetições:

Displicentemente

Na trilha da brisa é uma composição belíssima do meu pai, Horácio Simões. Eu a aprendi de ouvido através de gravações que ele tinha feito, e inseri algumas novas ideias que ele deu:

Na Trilha da Brisa

Como ouvinte, eu já conhecia Imagens do agreste, de Carlos Cruz, há muito tempo, de tanto que a ouvi através de belíssimas performances do amigo Bruno Soares, na desafiadora versão para violão solo. A versão para dois violões, composta posteriormente por Cruz, funciona maravilhosamente bem. Além disso, tocá-la em duo com Sabrina Souza é sempre uma grande felicidade:

Imagens do Agreste

Compus Suíte pop com a intenção de misturar elementos da música popular com outros do repertório violonístico de concerto. Nas peças, há a apropriação de elementos da música instrumental brasileira, do pop, rock, e de obras de Dusan Bogdanovic, Sérgio Assad, Heitor Villa-Lobos, Leo Brouwer, Lennox Berkeley e Maurício de Oliveira:

Suíte Pop

Encontros é uma composição bem singela de Marcos Bentes. Foi escrita originalmente para violão, e aprendida a partir de uma gravação do próprio Bentes:

Encontros

Em seus sete Estudos soreanos, que homenageiam Fernando Sor, Marcos Zanandréa transita por diversas linguagens do século XIX, emulando o cosmopolitismo musical do compositor homenageado. Há poesia em cada nota:

Estudos Soreanos

Lendas capixabas, de Carlos Cruz, foi objeto de estudo do meu mestrado, no qual realizei uma edição crítico-interpretativa desta partitura a partir da análise de manuscritos do compositor. Os três movimentos da obra – JuparanãO frade e a freira e Itabira – são representações musicais de lendas do estado do Espírito Santo. Carlos Cruz faleceu em 2011.

Lendas Capixabas

Dia, a primeira parte de Capixaba, finaliza com Banda de congos, uma brilhante homenagem de Carlos Cruz ao folclore capixaba. Na gravação, utilizei a partitura original para dois violões. Entretanto, pela dificuldade de tocá-la com a nitidez sonora e precisão rítmica necessárias, distribuí o material sonoro para quatro violões, os quais gravei separadamente. Uma curiosidade: o apito de congo tocado na gravação é indicado na partitura pelo próprio compositor.

Banda de Congos

Texto revisado por Sabrina Souza
Crédito da Imagem: "Dia" - Pintura de Sabrina Souza
Publicado originalmente no Caderno de Cultura da Pressenza International Press Agency em 23/05/2021

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