DJ Anderson do Paraíso, DJ K e DJ Ramon Sucesso - Favela funk de volta ao cenário underground internacional
Em julho
de 2023 tive a grata surpresa de conhecer o álbum Pânico no submundo, do
paulista DJ K, através de uma resenha do respeitadíssimo site americano
Pitchfork Media, que lhe concedeu a nota 7,9 (muito boa para o padrão do site).
Este registro é uma pancada apocalíptica de sons pesados, uma verdadeira obra
prima do favela funk, e foi lançado pela Nyege Nyege Tapes, uma gravadora revolucionária
da Uganda que aborda música experimental/eletrônica de artistas africanos e
música afrodiaspórica.
Admito que
passei um bom tempo receoso com este álbum: as letras, explícitas e
pesadíssimas, causam espanto ao ouvinte médio, e em nada condizem com minhas
visões de mundo. Entretanto, eu sou muito conectado com o som, e é muito raro
um álbum me interessar, instigar e assustar tanto quanto este. A primeira faixa
dá o tom geral do álbum: som alto e distorcido, putaria heterossexual,
surpresas constantes, ritmo frenético, bitonalidade e politonalidade, timbres
sensacionais, enxurrada de intervenções sonoras e significados, viradas de
tirar o fôlego. É uma enxurrada de 15 faixas que nos deixam desnorteados.
Injustamente, só vi esse álbum aparecer na lista de melhores álbuns nacionais
do site Música Instantânea, na modesta posição 41 (obviamente, este álbum é absurdamente
melhor que todos os outros 40 que o antecedem na lista).
Ouça o álbum completo no YouTube
Ainda em
2023, também via site do Pitchfork Media, me surpreendi com o álbum Sexta
dos crias (2023), do carioca DJ Ramon Sucesso, lançado pela gravadora
brasileira Lugar Alto; este recebeu do site a ótima nota 7,7. Diferente do DJ
K, que trabalha composições originais, DJ Ramon Sucesso revisita músicas
antigas através de um caleidoscópio ruidoso e anárquico, em dois sets
ininterruptos de DJ, além de atuar como um mestre de cerimônias visceral. É um
registro bem festivo, engraçado e ruidoso. A impressão geral é a de estarmos
diante de paredões de som com alguns alto-falantes danificados e/ou que não
suportam o sinal sonoro enviado; ainda assim, o ritmo e o fluxo são muito
contagiantes, e não conseguimos parar de ouvir até que Ramon Sucesso anuncie o
fim da festa:
Sexta
dos crias está na
posição 81 de melhores discos do ano do site Boomkat, que aborda a música
underground/experimental/eletrônica de diversos países. Qual não foi a minha
surpresa quando vi que o 2º álbum dessa mesma lista era também brasileiro e de
favela funk! Além disso, eles abriram uma grande exceção ao inserir nessa lista
(de melhores discos de 2023) um disco que só sairia oficialmente em março de
2024! Trata-se de Queridão, do mineiro DJ Anderson do Paraíso, também
lançado pela ugandense Nyege Nyege Tapes, e que foi também resenhado pela
Pitchfork Media, recebendo a ótima nota 7,8. As temáticas das letras são as
mesmas dos dois álbuns anteriores, mas o som, ao invés de caótico, é
introspectivo, sombrio, pontilhista e permeado pelo silêncio; o choque entre a
sonoridade e o teor das letras é espetacular, e cabe também ressaltar um maior
protagonismo feminino entre os MCs:
Ouça o álbum completo no YouTube
Esses três álbuns decerto renovaram a sonoridade do favela funk, bem como o interesse por este gênero fora do Brasil. É a música periférica nacional provando que consegue se transformar com o tempo – exemplo infelizmente não seguido por quase todos os nichos e gêneros musicais brasileiros.
Texto revisado por Sabrina Souza
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