Gimu - Moving, Still (2014) - Discografias
A série
Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações
musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo
artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra
espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu
tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:
Há
essa banda chamada His Name Is Alive. Era louco pra ouvi-la, mas como, ali no
começo dos anos 90? CDs importados. Ainda não rolava. Levaria uns anos até
conhecer amigos de outros estados, e alguns eram de São Paulo. Um deles se
chama Charlie. Meu amado Charlie. Uma das criaturas mais chic e cool que
conheci na vida. Charlie já tinha um trabalho mais estável, professor, assim
como eu, e podia comprar CDs importados, enquanto eu e outros amigos em comum
fazíamos pro miojo de cada dia. Devo muito ao Charlie por ter me tornado
professor. Ele estava lá ao meu lado me dando dicas, me ensinando, me dando
força, falando coisas bonitas para eu deixar de onda e acreditar em mim mesmo.
Quanto
ao que aconteceu, isso ou aquilo, é meio confuso na minha cabeça, porque era um
tal de ir pra SP e voltar pro ES a partir de 1993, até que eu me mudasse para
lá, e vivesse em Osasco por alguns anos. Charlie foi nosso “alimentador” de
coisas lindas e definitivas porque ele tinha os CDs. Alguns dos meus álbuns
favoritos eram, e ainda são, CDs dele. Charlie ainda os tem. Acho isso muito
doido e muito engraçado. Nunca tive, por exemplo, o Home is in your head,
segundo álbum do His Name Is Alive (HNIA). Tinha em fita K7, feita a partir do CD
do Charlie. Aliás, ainda tenho essa fita K7. Tenho todas até hoje, porque na
virada dos 80 para os 90, aí sim, fitas fariam parte da minha vida, em um
intercâmbio maravilhoso de fitas via correios com outras pessoas de várias
partes do nosso país grandão.
HNIA
era da 4AD, e se era da 4AD, naquela época, a gente já sabia o que esperar. 4AD
tinha muito a ver com sons misteriosos, etéreos, distantes, de outros mundos,
mas também tinha uma banda como Pixies, que era muito incomum, fazendo rock
berrado como nenhuma outra banda. Era, a seu jeito, ouro mistério também.
Ouvir
o Home is in your head (HIIYH) era de dar nó na cabeça, de ouvir
algo pela primeira vez, de ser sugado para dentro DAQUILO, do mundo todo
próprio do álbum, que tem 23 faixas, todas agarradas, algumas de poucos
segundos, outras mais longas. De desnortear. Soava como se seus membros
flutuassem. Caminhar era passado para eles 🙂 E eu nem sabia quem era
quem, quantas pessoas eram da banda. Os vocais, quando estão lá, são sempre
femininos. Tudo é minimal, sutil, micro, emocionante. Emocionante é subjetivo,
bem sei, mas é isso.
Meu álbum
Moving, Still
foi meu jeito de fazer meu próprio Home is in your head. Homenagem
mesmo, mas sem vocais. Quero dizer, tem uns “ahhhhhh” perdidos em algumas
faixas, que eu mesmo fiz. São 25
faixas, todas emendadas também, tudo distante, rarefeito, etéreo. Meu conceito
era, além de tudo isso do HIIYD, usar os pipocos de vinil como se fossem
batidas, e deixar que os pipocos/batidas de uma música entrassem na próxima,
costurando tudo. É isso, só isso. Antes do Moving, Still, eu já tinha feito outro álbum
assim, 25 faixas, tudo agarrado, chamado I silenced and walked away. Foi
um exercício. Acho Moving... mais bem acabado. A faixa 17 do HIIYH
se chama Sitting still moving still staring outlooking. O título do meu álbum
vem daí. Ele foi lançado pelo “very DIY” selo inglês Assembly Field, do
queridíssimo Phil. Outros álbuns meus também foram lançados pelo selo.
Anos
atrás, falei com o Warren, cabeça do HNIA, via Instagram. Falei com ele sobre o
Moving... e ele ficou muito feliz. Ele quis saber se eu morava perto de
algum lugar que tinha onça, grandes felinos. Brasil, né? Tem onça em toda parte
😀 Não. Não morava perto da "vila das onças".
Bom, eu acho que não. Não perguntei se ele mora em algum local nos EUA perto de
onde vivem ursos, alces, leões da montanha, búfalos, pumas. Não deixei de amar
a música que Warren faz por causa disso 😀
Fica
a dica: ouçam os três primeiros álbuns do HNIA: Livonia, HIIYH e Mouth
by mouth. Cada um tem sua própria atmosfera, e os três são perfeitos. A
banda está por aí até hoje. Parar para ser sugado por sua música é, talvez, das
grandes coisas que você fará nessa vida, lembrando que Warren ama mudar TUDO de
um álbum para outro, então o HNIA já foi várias bandas em uma.
Charlie
mora em SP. Às vezes me manda mensagem me falando que, do nada, está na
Inglaterra. Para me
matar de inveja, claro. Brincadeira haha 🙂 Fui para Londres em 1997 e
Charlie estava do meu lado. Não teria ido se ele não existisse. Vivi grandes
momentos intensos ao lado dele, tudo quase sempre a ver com música, nossa maior
paixão, praticando um com o outro. Quando ele acha que eu estou sumido, me
manda um “bonjour” no WhatsApp, e sempre me chama de “bonita!” quando falo minhas bobagens que
considero engraçadas, para rirmos. Estou com saudade de estar perto dele, e de
sua esposa, minha amada x 3, Mônica.
E faz muito tempo que não
sei do Phil. Espero que ele esteja bem.
Um dia depois de ter feito o
texto acima: Phil está bem, cuidando da mãe que não está muito bem de saúde, porque
ele tem essa grandeza de espírito. O Assembly Field encerrou suas atividades em
2022. Phil cansou. Ele quer tocar baixo em uma banda, mas ainda não encontrou
os caras certos para fazer isso. Torçamos! 🙂
Observação final: Gimu ama
uma vírgula, e por isso intitulou este álbum de Moving, Still.
Entretanto, foi só agora, 10 anos após o seu lançamento, que o artista se deu
conta de que o nome oficial ficou errado, sem a vírgula (Moving Still),
o que subverte o sentido imaginado por Gimu. Assim, embora o nome oficial tenha
ficado Moving Still, fazemos justiça, nesta resenha, à intenção original,
de nomeá-lo Moving, Still.
Texto revisado por Sabrina Souza
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