Gimu - Underground Labyrinth (or This Is Not An Album) (2016) – Discografias

 


 

A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:

 

E vamos a mais um álbum. Na verdade, a um não álbum, que chamarei de UL de aqui em diante.

UL é um não álbum porque suas canções não foram pensadas dentro de conceito nenhum. Foram sendo criadas e colocadas ali em uma pasta, esperando. Ou foram criadas enquanto eu criava outras canções que entrariam em um álbum porque foram pensadas dentro de algum conceito. Há sempre um conceito sonoro, algum tipo de textura que as canções pensadas para um álbum têm. Nem é tanto um tema. As canções em UL foram sobrando, coitadas. “Fiquem aí que logo faço algo em relação a vocês”. Nunca gostei de descartar música. Se ela existe, merece ser ouvida, mesmo que eu não tenha 100% de certeza de que seja uma música maravilhosa. No final, ficou um álbum bem legal. Fui ouvi-lo dias atrás para escrever esse texto e fiquei lá pensando: “pô, isso é bacana!” Faz muito tempo que não faço música como as de UL. A gente vai mudando, né? Vai enchendo o saco de certos sons, vai buscando outros. É a mesma canção sempre, mas nunca a mesma, porque as texturas vão mudando. Foram ficando cada vez mais estouradas nos últimos anos. Música erodida.

Três canções em UL são enormes. A 2, Curved, tem 17’19”. A 3, Embryonic, 19’44”, e a 5, Further and further away, tem 20’14”. Música estranha progressiva. Drone ou ambient music amam ser longas. Tudo a ver.

A piece of the last one é, provavelmente, um fragmento de uma ou duas canções do meu álbum Senses. Tem a mesma atmosfera de guitarras etéreas e barulhentas daquele álbum. Noisy avalanche.

Curved tem esse nome provavelmente porque eu amo Seefeel. Tem uns lances legais de sintetizadores como normalmente não faço. Uns arpeggios, um vai e vem de onda ali por trás, e do meio em diante a batida “sai debaixo que o baterista surtou”. Tem esse mesmo tipo de coisa em um monte de música minha. Escrevi ali em cima: sempre a mesma música. E Curved vai crescendo, crescendo, crescendo. Desencanei muito de “crescendos”.

Há algo que soa como um piano no começo de Embryonic. Provavelmente é sample, mas juro que não lembro de onde saiu. Alguns minutos depois… (ouço o álbum enquanto escrevo): que caos de canção! Não deve funcionar muito bem se você quer ouvir algo sereno em busca de paz. É o oposto disso. Ou se sua paz é aquela do mundo bizarro, então é para você dormir e sonhar com… anjinhos bizarros. Será que a percussão dela foi feita com objetos sendo jogados na parede? Eu fazia isso anos atrás. Era muito divertido. Tem sintetizadores espaciais nela, acabei de ouvir. Por anos eu fiz música espacial ou música para o espaço. Toneladas de reverb. Praticamente não uso mais reverb, ou uso com muito cuidado, um tiquinho aqui e ali, para tirar os pés do chão um pouco.

Symbiosis. Uns títulos, né? Embryonic, Symbiosis, Curved. Muito engraçado! 🙂 E tome reverb! Tem um “freeeeuuummmm” nela que parece ser som de flauta manipulado. Será? Flauta? Acho que nunca usei flauta nas minhas canções. Já usei escaleta. Symbiosis é BEM espacial também.

Further and further apart (Cada vez mais distante). O que será que estava cada vez mais distante? O equilíbrio? A sanidade? Ficar rico? 🙂 Essa até batida tem. Dá para sacudir a cabeça pra cá e pra lá junto, bater o pezinho, fazer dancinha. Minutos depois… Jesus! Parecem 13 músicas ao mesmo tempo. Eu gosto de te testar, né? Vamos ver até quando você consegue ouvir o álbum com fones sem cair, tonto. É guitarra apitando para todos os lados. Samples de guitarra, samples de feedback, samples do buraco no centro da galáxia da minha vida, manipulados à exaustão para que te engulam também. Vamos juntos. Cair fora.

Com canções tão longas, dá pra cair fora por um tempão.

Acabei de bater o olho no texto, em inglês, na página do UL no Bandcamp.

A explicação!

Quando enviei mais de 3 horas de música para a UAE Records alguns meses atrás, eu sabia que nem todas as músicas estariam no meu segundo álbum com o selo. Naquele momento, não estava muito claro para mim como o álbum seria, quais músicas seriam mantidas, porque elas deveriam estar juntas como um álbum.

Agora, enquanto preparo essas músicas para que apareçam aqui no Bandcamp como este álbum ‘isso não é um álbum’, parece óbvio que elas tinham que ser as descartadas. Na verdade, eu deveria lançá-las depois que o álbum fosse lançado, mas existe algo certo ou errado nisso? Por outro lado, músicas que são descartadas nunca deveriam ser lançadas por provavelmente não serem boas o bastante, o que quer que ‘boas o bastante’ signifique, já que isso é bastante subjetivo.

Tendo em mente o que eu normalmente tenho em mente quando estou dividido, vou deixar essas músicas aqui porque alguém pode amá-las, uma ou duas delas. Vou até dar a elas um título como se fosse um álbum que não foi concebido como tal.

A UAE vai lançar esse segundo álbum em alguns meses, e ele vai se chamar All the things in everything I can't perceive. Apenas A piece of the last one, desse álbum ‘não é um álbum’, tem uma semelhança com outras duas músicas do álbum que será lançado em alguns meses.

No final, optamos pelas músicas mais silenciosas, as mais meditativas/evocativas/contemplativas para estarem no álbum porque... simplesmente porque.” (14.09.2016)

A UAE pagou pela masterização do álbum e, no meio do caminho, fechou. Fiquei com as masters e sem selo. O álbum acabou sendo lançado pela Unknown Tone Records dos EUA, como Senses, que já apareceu aqui um tempinho atrás.

Gimu - Underground Labyrinth (or This Is Not An Album)


Texto revisado por Sabrina Souza
Crédito das Imagens: Gimu - Underground Labyrinth (or This Is Not An Album) (2016) – Fonte: Bandcamp do artista 

Publicado também no Caderno de Cultura da Pressenza International Press Agency

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