#4 – Marli – Rainha das Trevas (2002) – Os 5 Discos Nacionais Mais Bizarros da Década de 2000
Nada mais perturbador do
que iniciar um álbum com sons eletrônicos frios, gritos/gemidos e a oração do Pai
Nosso. Essa é a vibe geral de Marli, projeto do qual faziam parte Marli
Souza Silva, cantora de Ipirá (BA), e Antonio Augusto Farias (o Witched),
produtor de Feira de Santana (BA). O canto de Marli é um improvável complemento
de terror às produções eletrônicas de Farias. Marli trabalhava na casa de
Farias, e este a convidou para um projeto musical experimental após ler algumas
de suas letras. A parceria produziu 9 álbuns originais entre 2002 e 2013, e
finalizou definitivamente as suas atividades em 2021.
O álbum de estreia da
dupla, Rainha das trevas (2002), é um acontecimento da música
experimental, dos primórdios da internet, da cultura do meme, da viralização do
bizarro, da produção caseira, do amadorismo em música, e dos temas tabus. Após
a aterrorizante abertura de Fantasia/Sonho sem fim (que utiliza o texto
do Pai Nosso), temos um clima muito mais ameno e divertido em Punk,
com seus emblemáticos “La, la, la, la” e o pegajoso refrão (“Eu sou punk / Iê,
iê, iê”).
A faixa-título mantém o tom
de originalidade e criatividade do registro, com elementos musicais bem
intensos do darkwave e synthpop - enfim, de uma música soturna. A Rainha das
Trevas pode ser satânica, mas ama e sofre como qualquer um de nós (“Na noite
escura não para de andar / Está à procura de alguém para amar”). Quando
pensamos que a peteca vai cair, somos arremessados ao groove irresistível de Mais
e mais, grande destaque do disco, que nos atropela de surpresa com o a
afirmação de que “É uma questão de necessidade”. A letra, direta, é
encantadora: “Todo santo dia eu chego em casa / Cansada, acabada, arrombada /
Dei duro o dia inteiro / Quero você todo pra mim / Me possua, quero ser sua,
estou completamente nua”.
Nessa alternância de
momentos tristes/pesados com outros mais groovados/alegres, temos a desoladora O
amor não mora mais aqui, bem derramada em cada sonoridade emitida. A
mula sem cabeça vai te pegar já é uma faixa de sonoridade mais sofrida,
mais escrachadamente lo-fi. O ritmo frenético soa engraçado com a letra
demoníaca: “A mula quer lhe agarrar / Lhe pegar, vem te decepar / A mula do
inferno quer me pegar / Me levar sem cabeça”.
A qualidade sonora retorna
em Sagrada, com sua leve levada techno, letra hilária e órgãos de
igreja. Estrategicamente, as três faixas mais fracas foram deixadas para o
final do registro (Ladra de namorados, História de ninar e Garota
sereia, que conclui o ciclo em clima de terror); estas, entretanto, não
tiram a admiração, o espanto e as risadas causadas por todas as faixas
anteriores.
Observação final: Só
consegui localizar a capa da Edição de Colecionador, realizada posteriormente.
Clique aqui para ouvir o álbum completo no YouTube
Texto revisado por Sabrina Souza
Crédito das Imagens: Marli - Rainha das Trevas (2002) – Fonte: Spotify
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