Anne Paceo no Festival MIMO 2025, em Olinda/PE

 



Anne Paceo é uma baterista e compositora francesa, nascida em 1984, e foi a grande surpresa/descoberta que tive no Festival MIMO 2025, em Olinda/PE. A artista tem uma discografia de peso, iniciada em 2008, já tocou em cerca de 50 países e recebeu diversos prêmios por sua música. Anne nos concedeu uma entrevista muito simpática, leve e profunda, o que muito coaduna com o som que produz.

Ela não teve, inicialmente, nenhum baterista como modelo, pois seu interesse era em instrumentos musicais no geral. Apenas após ingressar em uma escola de Música, ao estudar jazz, é que teve suas primeiras influências à bateria: Max Roach, Brian Blade (baterista de Joni Mitchell) e Stewart Copeland (baterista do The Police). Ao longo dos anos, a artista somou, às influências jazzísticas e à improvisação, algo mais pop. Anne é fã declarada de James Blake, Björk, Pink Floyd, Led Zeppelin, música africana (especialmente a música de Mali) e música eletrônica. Desta feita, a artista busca fazer uma mistura de coisas que gosta, sem se prender a nenhum estilo; em suma, objetiva criar músicas que venha a gostar de ouvir.

Seus dois primeiros álbuns, Triphase (2008) e Yôkaï (2012), mantinham-se dentro de alguns padrões mais tradicionais do jazz atual. Entretanto, a partir de Circles (2015), a artista se viu muito influenciada pela música pop contemporânea, especialmente pela forma como James Blake usa os sintetizadores e constrói as suas sonoridades. Anne também tocou com muitas bandas pop na França, o que lhe influenciou bastante, visto que nesse tipo de música há uma grande ênfase na produção musical como um todo e na utilização de efeitos, o que difere bastante do jazz mais tradicional. Segunda a própria, Atlantis (2025), em termos de som e produção, foi enfim o álbum no qual conseguiu fazer o que almejava há 10 anos.

Ao ser questionada sobre a importância da repetição em sua música - repetição esta geralmente ligada à música minimalista ou à música eletrônica -, Anne alega que para ela a repetição é transe, e citou seu álbum S.H.A.M.A.N.E.S (2022), no qual a abordagem da repetição foi muito influenciada pelas práticas xamânicas e de vodu; nessas práticas, de acordo com a artista, a repetição causa algo no corpo e no cérebro. Embora goste de Steve Reich, um dos nomes mais importantes do minimalismo, ela se sente muito mais influenciada pela música dos balafons do Oeste Africano.

No final da nossa entrevista, Anne Paceo listou alguns artistas brasileiros que ela admira: Djavan, Milton Nascimento, Maria Bethânia, Hermeto Pascoal (de quem recebemos a notícia do falecimento pouco tempo depois da entrevista...) e João Bosco. Ela também considera o violonista Daniel Santiago, com quem tocou em mais de uma ocasião, como um de seus compositores contemporâneos favoritos.

O repertório do show consistiu em faixas de Atlantis, seu álbum recém-lançado. No palco, uma formação musical em semicírculo, com saxofone, trompete, teclados, bateria, piano acústico e voz. O saxofonista e o trompetista também tinham pedais e apetrechos de manipulação sonora, que eram utilizados continuamente. A unidade do grupo e a entrega de cada um dos músicos à proposta foram admiráveis. A artista, ao longo dos seus álbuns, sempre arregimentou músicos com os quais ela ama tocar, os quais considera uma grande família; estes participam de seus projetos e shows a partir de suas disponibilidades.

O show foi envolvente e comovente do início ao fim, atingindo de forma muito satisfatória nossas mentes e corações, desde a singela canção Tant qu’il y a de l’eau ao ritmo claudicante de Inside, que contrasta com a suavidade de suas melodias e sonoridades. Aube marine trouxe um ritmo ritual envolvente, e se valeu da repetição de forma bastante criativa, das infindáveis repetições do arpejador à uma melodia fixada em uma única nota. Esses aspectos foram também explorados de forma mágica em The diver, que desemboca em um beat eletrônico irresistível. Ouvimos ecos da boa música minimalista em Mantha, trágica e transcendental ao mesmo tempo, e um único e discreto solo de bateria em Sur une île - o que ilustra muito bem o foco de Anne Paceo em discursos musicais consistentes, na virtuosidade artística mais holística, e não em uma virtuosidade técnica vazia. Um show inesquecível e surpreendente do início ao fim!

Observação final: Myrna Barreto e eu realizamos uma cobertura do Festival MIMO, em Olinda/PE, para o site Bolsa de Discos.




Álbum Atlantis:

Clique aqui para ouvir o álbum completo no YouTube


Texto revisado por Myrna Barreto
Crédito das imagens: fotos de Myrna Barreto e Assessoria de Comunicação da MIMO
Publicado também no site Bolsa de Discos

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