Dinho Almeida (Boogarins) - Entrevista no MADA 2025, em Natal/RN
Texto introdutório por William Robson / Realização e transcrição
da entrevista por Renan Simões
[Myrna Barreto e Renan Simões realizaram uma cobertura do Festival
MADA 2025, em Natal/RN, para o site Bolsa de Discos]
Com
mais de uma década de trajetória e uma discografia marcada pela ousadia e pela
experimentação, o Boogarins, que fez sua apresentação no festival MADA,
consolidou-se como uma das bandas mais inventivas do rock brasileiro
contemporâneo. Surgida em Goiânia, a banda encontrou nas sonoridades da cena
alternativa dos anos 2000 um terreno fértil para criar uma linguagem própria -
psicodélica, livre e sempre em transformação.
Em
entrevista ao Bolsa de Discos, o vocalista e compositor Dinho Almeida reflete
sobre o processo de formação da identidade sonora do grupo, que desde o disco
de estreia, As Plantas que curam (2013), vem desbravando
caminhos entre o lo-fi e a experimentação analógica, sem perder a conexão com o
público. Ele relembra as influências da cena goiana, fala sobre o novo
álbum Bacuri - marcado por uma sonoridade mais madura e
despretensiosa - e comenta o impacto de bandas potiguares como Far From
Alaska, Camarones Orquestra Guitarrística e Mahmed na sua
trajetória.
Entre
memórias, influências e perspectivas, Dinho revela que o segredo da longevidade
do Boogarins está em fazer música com verdade, mantendo o foco na criação
e na conexão com as pessoas, mais do que em números ou tendências.
Renan
Simões (Bolsa de Discos) – O Boogarins é uma banda de rock com mais de 10 anos
de carreira discográfica, portadora de um som com muita identidade, unidade e
variedade. Como se deu a construção da sonoridade de vocês?
Dinho
Almeida (Boogarins) – Eu acho que a gente tem muito daquela coisa da cena de
música alternativa independente no Brasil, que circulava por Goiânia nos anos
2000. A gente viveu isso muito intensamente. Temos sorte de ter o Ynaiã hoje em
dia na bateria, que fazia parte do Macaco Bong. O Ynaiã era um cara que a gente
via tocando muito em Goiânia, a gente tava lá como fã do Macaco Bong. Então a
gente acompanhava muito os shows, os festivais. Goiânia teve essa coisa de ser
meio que essa capital fora do eixo dos festivais, com o Bananada, o Goiânia
Noise.
Eu
mudei pra Goiânia em 2006. Dali pra frente eu vi o Marcelo Camelo solo, o Los
Hermanos, o Matanza, ao mesmo tempo que também via os meninos do Plástico
Lunar, do Baggios. A Monstro [Discos] lançava todo mundo. Então eu vi o Frank
Jorge, Júpiter Maçã. Era um cruza de influências de toda essa geração de música
nova brasileira, e meio que mostrando um caminho, de que era possível fazer
música nova e ter palco. Acho que essa juventude que cresceu nessa Goiânia ali
dos anos 2000 tinha essa coisa de poder imaginar estar num palco, que sua banda
tinha onde chegar.
Isso
foi muito importante pra gente, nessa coisa de formação sonora e de também
entender que a parada podia te levar pra algum lugar. Eu acho que o Benke
[Ferraz] trouxe muito isso. Eu já tinha uma banda e a gente começou a tocar
junto. Ele tinha MTV na casa dele, me falava das bandas, e eu falava: “cara, os
caras tão fazendo, tem como a gente fazer!”. Então eu acho que é muito essa
cena toda, eu não consigo nem ficar citando nomes, porque eu acho que é muito
mais sobre ver aquelas bandas fazendo, as bandas de Goiânia mesmo, MQN, Black
Drawing Chalks, e falar “pô, dá pra fazer esse trem”.
A
gente é uma banda que se respeita muito e troca muito entre si, então todo
mundo traz o gosto e bota nas músicas e nas composições. Então eu acho que a
gente é esse furacãozinho que se entende, se encaixa. Esse disco que a gente
lançou agora, o Bacuri, é uma marca muito grande nesse desenvolvimento
da nossa linguagem. A gente conseguiu chegar num lugar onde você vai ouvir o
negócio e vai saber que é Boogarins, tem um jeito Boogarins de fazer a coisa
ali, que eu acho que essa é a psicodelia nossa. É misturar, é ir pra outro
lugar, é fazer o ouvinte sentir a canção independente do ritmo ou de tudo. Eu
acho que esse é o nosso maior exercício, a nossa maior conquista e algo que a
gente ainda tem muito pra desenvolver.
Renan
Simões (Bolsa de Discos) – Em relação a essa transformação, como eu disse, tem muita
unidade no som de vocês, ao longo da discografia, mas a gente percebe momentos específicos.
O primeiro álbum é mais lo-fi, caseiro. Depois vocês já vão pra uma onda mais
introspectiva, tem um disco pessimista lá no meio, e agora voltando, em uma
fase de maturidade, no lo-fi. Você poderia pontuar quais foram as forças
motoras que marcaram a criação de cada álbum?
Dinho
Almeida (Boogarins) – As plantas que curam [2013] somos nós dois [Dinho e Benke
Ferraz] saindo do Ensino Médio, se encontrando pra aprender a gravar, pra
desenvolver uma linguagem, desenvolver uma sonoridade, aprender a fazer aquilo
que a gente fez. O Manual [ou guia livre de dissolução dos sonhos,
de 2015] já vem nessa consequência maluca de ter pegado o disco, mandado pros
gringos, os gringos gostarem, lançarem a gente fora e, de repente, num dia você
tá gravando num quarto sem microfone, usando uma caneta de baqueta, e no outro
dia você tá num estúdio todo analógico, numa praia na Espanha.
Os discos Lá vem [a morte, de 2017] e Sombrou [dúvida, de 2019] vêm no momento nosso de mudar pra Austin. Foi um ano [2016] que a gente passou, sei lá, seis meses fora do Brasil e seis meses dentro, e tocando em tudo quanto é lugar, e foi um ritmo muito maluco. São discos que eu não chego a considerar pessimistas, mas eu acho que eles têm uma coisa de... uma saudade sem explicação, uma angústia no peito de não tá entendendo o que tá fazendo e vivendo, mas nós tava vivendo, e eu vejo com muito prazer. Foram discos maravilhosos e também muito importante essa coisa da descoberta da nossa sonoridade. Esses discos têm muito da produção do Benke, da cabeça dele. São discos irmãos, gravados quase simultaneamente. A gente fez muita coisa nessa época. O empresário americano falou “grava, faz música, não se importa”, e nós fizemos um milhão de músicas e um milhão de gravações [que resultaram, além desses dois álbuns, em duas outras coletâneas lançadas posteriormente].
Eu acho que o Bacuri é meio que esse outro passo, é o pós-pandemia,
realmente a gente vindo embalado de fazer muito show do Clube da Esquina, vindo
nessa coisa de ver essa força do palco, querendo trazer isso pra um disco, e
conseguindo fazer isso em casa de novo, mais tranquilo, num jeito mais de boa, com
o neném no colo e o caralho, entendeu? Muito em outra cabeça, numa cabeça muito
mais “eu só quero fazer música que eu gosto de desenvolver”, sem pressão de
gravadora gringa, sem nóia, e tem sido maravilhoso. Acho que a gente é uma
banda que traz muito isso pras gerações mais novas, tipo, eu não sei se é sobre
hype, eu não sei se é sobre dinheiro, mas eu sei que é sobre fazer o que a
gente gosta e ter público, e aí vai trazer todas essas outras coisas, hype,
dinheiro e sobreviver disso. Então eu fico muito feliz de, sei lá, eu crio meu
filho com a minha música, o Benke tá sendo pai, o Ynaiã vai ser papai também, a
gente vai desenvolvendo.
É muito legal encontrar moçada
mais nova e trocar ideias sobre um caminho possível, meio que sem pressão de
likes, sem pressão de números e mais com a pressão de criar uma conexão
verdadeira com as pessoas mesmo. Acho que esse é o maior desafio. Eu agradeço
muito de ter conseguido fazer isso na caminhada e que isso se estenda por muitos
anos.
Renan
Simões (Bolsa de Discos) – Você poderia citar artistas potiguares que admira?
Dinho Almeida (Boogarins) – Cara, o Far From Alaska é uma doideira, né? Não tem como não falar deles porque era um bagulho que em Goiânia a gente recebia muito. Eu lembro de ver um show do Camarones [Orquestra Guitarrística] e também ficar muito emocionado. E o Mahmed foi uma parada que quando veio era muito surreal. Eu fico muito triste que a banda acabou. Eles não tocam mais, né? Mas é uma parada que eu acho, que eles são muito fodas. É muito lindo, eles desenvolveram uma linguagem muito foda. Às vezes no aleatório os caras me jogam as deles e eu falo “puta que pariu, esses meninos, né?” Eles são surreais, eles são fodas. E a Gracinha é daqui, né? É mais nova, é boa também. Posso pensar em várias. Eu acho que a sorte nossa é essa. Nós conseguimos conversar com a moçada mais nova. Isso que me dá força pra acreditar que os trens giram. E na verdade não giram, é uma espiral. Tem movimento na coisa. Ela roda, mas ela roda pra frente. E isso é bom demais.
Texto revisado por Myrna Barreto
Crédito das imagens: foto de Myrna Barreto
Publicado também no site Bolsa de Discos

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