Gimu - finally free, gravity (2019) - Discografias
A série
Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações
musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo
artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra
espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu
tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:
Minha
sogra, chamada Guerlinda, morreu em 2019. Ela era um grande barato. Nos dávamos
muito bem. Era uma delícia estar perto dela. Sempre me tratou com muito amor.
Falava que eu parecia mais filho dela do que meu marido (risos). Era uma
espoleta! Foi deixando de ser quando o corpo foi pifando. Ela reclamava. Dizia
que não valia mais a pena ficar viva. Aquilo de “pra que viver quando não há
mais vida?” Essa lucidez dela era comovente. Não acreditava em nada. A morte
era desaparecer e fim. Jamais havia cruzado com alguém da idade dela que
pensava dessa forma, que falava o que ela falava. Tinha 75 quando partiu.
Um dia,
uma de suas netas estava mostrando a ela uma música, dizendo que parecia com o
que eu fazia. Não parecia. Era new age demais, sereno demais, música pra boi
dormir demais. Pobre boi! Minha sogra gostou. Poxa! Como assim? Me prometi que
faria um álbum pra ela, sereno, levinho, pra bois e vaquinhas dormirem, e
mostraria pra ela somente quando tivesse terminado. Seria segredo até lá. Ela
morreu antes. Acabou sendo póstumo. Claro que não deu nada certo. Claro que o álbum
não tem nada de sereno, calminho, e tá mais pra afugentar animais. Eu gosto de
ruídos, de texturas escuras, de umas "dificuldades" na música que
faço (nada a ver com complexidade de ter que ter sete mãos para tocar; um dedo
basta). É um lance para "connoisseurs". Viu a escolha da palavra?
Babaca e pedante. Mas como você vai gostar de música estranha, "difícil",
se ela já não faz realmente parte da sua vida? Ok... uma hora a gente começa.
Vai começando aí. Às vezes vale muito a pena. Ou você vai achar uma merda.
Divaguei.
finally
free, gravity é o álbum
póstumo para minha sogrinha amada. Somos eu e ela na capa, rindo porque ela
achava a cara dela um horror em fotos, e morria de rir. Não entendia como ela
acabaria tendo aquela cara depois de "velha". Haja gargalhada!
(risos). E falava uns palavrões deliciosos. É um álbum triste e feliz. É um álbum
de celebração. Para uma pessoa que queria ir embora desse mundão de seu Deus e
foi porque pra ela já havia dado. Combinamos de quem fosse primeiro daria um
jeito de mandar um alô para o outro caso houvesse alguma coisa lá do outro
lado. Já rolaram umas coisas, mas deixa baixo ou esse texto vai ficar longo
demais. Mais.
Vamos aos títulos
em português? Você irá entender:
When a chance
is bound to come: Quando
uma chance está destinada a surgir;
Laughing,
lastly: Rindo, por último;
Air: Ar (Guerlinda precisava de aparelho
para respirar);
Warmth bubble: Bolha de calor humano;
Not alone: Não sozinho / Não sozinha (com letra e
vocal da alemã - que mora no Reino Unido - Trixie Delight, e que fez com que
essa música fosse essa coisa monumental);
Nothing
comes to solve nothing and there's nothing out there: Nada vem para resolver nada e não há
nada lá fora;
Mind no
longer has me: A mente
não me tem mais.
O nome do
álbum significa "finalmente livre, gravidade".
Tenho
orgulho de ter sido capaz de fazer um álbum tão intenso, tão profundo como
esse. Quando lançado, foi um dos álbuns daquele mês do bandcamp.com. Isso foi
bem bacana.
Obs.: Segue
link para a resenha do álbum que eu realizei, visto que este ficou em 48º lugar
do meu ranking de melhores discos da música brasileira:
Gimu - finally free, gravity (Resenha)
Texto revisado por Sabrina Souza
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